A Santíssima Trindade é de longe a imagem religiosa de nossa
fé cristã mais complexa de se entender: um só Deus em três pessoas. Na verdade
Deus é simples, isto é, uno, mas se ramifica em três, contudo sem perder a sua
unidade. São João Paulo II em sua oração do ângelus na solenidade da Santíssima
Trindade no ano de 1997 afirmou: “A Trindade, que o cristianismo confessa, em
nada prejudica a unidade de Deus. O único Deus apresenta-Se aos nossos olhos
não como um Deus ‘solitário’, mas como um Deus-comunhão. A primeira carta de
João exprime admiravelmente este mistério, quando diz: ‘Deus é Amor’ (1 Jo. 4,
8)”. Este é, pois, o segredo de Deus: a unidade da comunidade.
Sabemos que o nosso entendimento sobre esse mistério é
extremamente limitado, mas a graça trinitária nos envolve constantemente, e
disso a Igreja dá testemunho. É uma comunidade que jamais se encerra, que
jamais se desune, que não deixa de amar. Por ser uma comunidade em plenitude é
que não se pode compreender tal mistério. Uma das várias imagens que temos de
Agostinho de Hipona, bispo do século V, é quando em um sonho encontra uma
criança, que na verdade era um anjo, tentando colocar toda a água do mar em um
buraquinho na areia; assustado Agostinho tenta convencê-la de que é impossível
fazer aquilo que pretendia, ao que a criança responde: é mais fácil colocar o
mar aqui que compreenderes o mistério da Santíssima trindade.
Cristo por meio de sua encarnação e insistência na pregação
do amor procurou efetivar entre nós essa unidade. Por meio do Cristo é que
conhecemos o Pai, ele que nos deu o mandamento da unidade, o de amarmos uns aos
outros, sem reservas e até a morte.
É na Santíssima Trindade que nossa comunidade cristã alcança
seu sentido pleno. Há um termo de origem grega utilizado inicialmente pela
Igreja Oriental e depois adotado também pela Ocidental, “pericorese”, que
significa ao pé da letra “compenetração mútua”. Esse termo se aplica na doutrina
da Trindade para dizer que cada pessoa da Santíssima Trindade está intimamente
e perfeitamente unida à outra. Por essa razão é que ininterruptamente uma
pessoa se identifica com a outra, se doa à outra, e na sua doação faz com que a
outra também seja. Aqui encontramos, portanto, o modelo perfeito ao qual deve
recorrer nossa comunidade neste mundo rumo à perfeição.
Eis a nossa vocação cristã, a de imprimir com a maior
fidelidade possível a comunidade trinitária em nossa vida social. O cardeal
Raniero Cantalamessa em seu retiro pregado ao papa no tempo do advento do ano
2000 disse: “Como é diferente a atmosfera que se respira quando, em um corpo
social, nos esforçamos para viver com estes ideais sublimes diante de nossos
olhos!”. Na continuação o cardeal cita ainda Agostinho em um de seus tratados
sobre o evangelho de João, que por sua vez fala da importância de todos os
membros da Igreja. Nossa meta é viver de tal forma que possamos nos alegrar com
a alegria do outro, pois a “inveja separa, a caridade une” (Agostinho).
Milhares de irmãos, membros de nosso corpo místico,
diariamente sofrem. Durante a pandemia medidas equivocadas de vários
governantes permitiram que tantos irmãos sofressem com a falta de emprego
digno, a fome, nos afastando cada vez mais do projeto de uma fraternidade
social inspirada naquela trinitária. Somos cristãos, nossa marca é o amor!
Portanto, compadeçamo-nos uns dos outros como verdadeira comunidade humana. A
Igreja se coloca ao lado de todos os que sofrem, chora com os que choram, e se une
à voz dos que clamam pela vida e dignidade. Que repitamos o milagre de Jesus
que uniu a comunidade dos doze tão diferentes, e os fez um. Que juntos vençamos
a discórdia pelo laço do amor a todos, sem distinção.