O anúncio de que o Brasil será sede da Copa América entre
junho e julho deste ano de 2021, em meio ao cenário caótico de enfrentamento a
pandemia de Covid-19, gerou discussões entre grupos favoráveis e contrários. A
rápida decisão e o comunicado relâmpago nas redes sociais ocorreram após uma
reunião online entre dirigentes das seleções nacionais e organizadores.
Esportistas, políticos, imprensa, médicos e grande parte da sociedade se
envolveram no debate sobre o momento em que o país recebe o evento esportivo.
As sedes anteriores, Colômbia e Argentina, não desenvolverão a competição continental
por conflitos políticos e o agravamento da pandemia, respectivamente.
Horas antes de a reunião ocorrer, não era ventilada nos
bastidores a possibilidade do Brasil sediar o evento. A forma com que o Governo
Federal prontamente aceitou a realização da competição e se envolveu em sua
organização chamou a atenção. O mesmo empenho não é notado no combate à
pandemia e na adoção de medidas que pudessem frear o avanço da contaminação. O
Brasil faz parte de estatísticas trágicas e com a infeliz capacidade de atingir
em algumas semanas a marca de meio milhão de mortes.
Neste cenário, foi apresentado como argumento para a
definição do país como sede do evento pela quinta vez, a expertise e estrutura
de estádios monumentais que foram construídos para a Copa do Mundo de 2014. O
sistema de saúde brasileiro representado pelo SUS, por mais problemas de
financiamento que enfrente, demonstrou sua força no tratamento e nos esforços para
receber os pacientes nos momentos de picos das internações e nas ondas que
custaram inúmeras vidas, mas não recebeu a mesma atenção.
Os responsáveis pela República, eleitos para defender as
demandas da população, negligenciaram e não se envolveram significativamente na
compra de vacinas, principal caminho para proteger a população e conduzir para
o fim da pandemia. O negacionismo, tratamentos duvidosos e o desinteresse em
responder as propostas das empresas farmacêuticas fez com que a pandemia
atingisse essa magnitude. Muitas famílias gostariam de ver e ter seus entes com
saúde e vacinados para poder torcer em um jogo da seleção canarinho.
Na homilia da Solenidade de Corpus Christi, no ano de 2019,
Papa Francisco enfatizou, “no mundo, procura-se sempre aumentar os lucros,
aumentar o volume de negócios... Sim, mas com que finalidade? É o dar ou o ter?
O partilhar ou o acumular? A economia do Evangelho multiplica partilhando,
alimenta distribuindo; não satisfaz a voracidade de poucos, mas dá vida ao
mundo (cf. Jo 6, 33). O verbo de Jesus não é ter, mas dar”.
As ações inconsequentes empurraram os números da pandemia e
escancaram a desigualdade no Brasil. O mapa da fome voltou a crescer, mais de
14 milhões de pessoas estão desempregadas, famílias que perderam suas fontes de
renda e enfrentam desafios para ter o mínimo para se alimentar. Os impactos
sociais gerados pela pandemia e ausência de políticas sociais serão notados por
muitos anos.
As decisões foram tomadas e quem paga a conta, mais cedo ou
mais tarde, deverá ser o próprio povo que já é castigado
com conflitos anteriores e com solidariedade se une em busca de suprir e se
aproximar das dificuldades vivenciadas por seus irmãos. E nos perguntamos: como cuidar da vida e da
dignidade humana quando se preocupam com as aparências? Não é hora de gritar
gol.