Nosso
calendário civil está por finalizar-se. Ao planejarmos 2019 não esqueçamos de
comemorações importantes, pouco valorizadas, tais como o “Dia Mundial de Luta Contra
os Agrotóxicos”, em 3 de dezembro. O fato desse “Dia” ser pouco conhecido até
mesmo por muitos que dizem defender a vida na integralidade, comprova a
anestesia de nossa consciência coletiva. Combatemos as drogas, o aborto e os
homicídios. Devemos, no entanto, aceitar que nos matem com venenos?
O
documentário “O veneno está na mesa”, com dois vídeos de fácil acesso pela
internet, demonstra os efeitos nocivos dos agrotóxicos, particularmente no
Brasil, um dos países que mais os utiliza. Muitos “defensivos
agrícolas” possuem toxicidade aguda, comprovada pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, vinculada ao Ministério da Saúde. Eles causam mutação
genética, má formação fetal, câncer, problemas neurológicos e hormonais, e
outros males.
No Brasil, uma lei de 1989 regulamentou o uso dos
agrotóxicos, controlando-os. No entanto, o Projeto de Lei 6299/02, conhecido
como “PL do Veneno”, que tramita, atualmente, na Câmara Federal, visa afrouxar
esse controle. Organizações
ambientalistas dizem que a eliminação do poder de veto de agências reguladoras,
prevista no projeto, favoreceria uma produção agroquímica mais ainda nociva e a
entrada no país de agrotóxicos mais ainda perigosos.
O
executivo federal eleito, aliado aos grandes poderes econômicos do agronegócio,
tem se mostrado favorável à flexibilização embutida no “PL do Veneno”, sinalizando
que continuará concedendo incentivos fiscais à produção e à comercialização de
agroquímicos, dominadas por oligopólios transnacionais, entre os quais a Bayer,
alemã, e a Monsanto, americana, fusionadas este ano. Essas e outras empresas
têm sido condenadas pela justiça em outros países.
O
Estado brasileiro continuará favorecendo os interesses dessas empresas,
protegendo o que produzem e comercializam de maléfico, tolhendo, no entanto, as
iniciativas agroecológicas de pequenos e médios produtores rurais? Essa questão
é ainda mais pertinente pelo fato do Projeto de Lei 4576/16, que também tramita
na Câmara Federal, estipular restrições à venda de produtos orgânicos em
supermercados e em programas públicos para alimentação escolar.
Nossa
soberania alimentar e a qualidade dos alimentos que colocamos em nossas mesas e
fornecemos ao mundo, devem, por isso, ser colocadas em questão. Senão, seremos
aéticos. Os altos índices de doenças crônicas e mortes causadas por
agrotóxicos, aos trabalhadores rurais e à população urbana que depende do que é
produzido no campo, bem como a destruição da biodiversidade, são horrores que
colocam em questão nosso sistema coletivo de vida.
A
instrumentalização da ciência em função de interesses econômicos desprovidos de
ética, a exemplo da produção e da comercialização abusivas de agrotóxicos,
revela a desconexão do ser humano com o autor da vida. A esse respeito o Papa
Francisco aponta na Encíclica Laudato Si,
uma exigência ético-espiritual. Para ele, ser "guardiões
da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência
cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa".
Estaremos dispostos a traduzir essa exigência
ético-espiritual em ações que defendam integralmente a vida, convertendo corações
e mudando decisões governamentais nocivas à saúde? Quais iniciativas, portanto,
nós, cristãos, tomaremos em conjunto com os movimentos sociais que lutam em
prol da agricultura sustentável ecologicamente, como testemunho de nossa fé em
Cristo, que veio ao mundo (cf. Jo 10,10) para que todos tenham vida em
plenitude?
Jales, 05 de dezembro de 2018.