Em meio à grande diversidade de expressões religiosas no
Brasil, cuja liberdade está assegurada pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição
Federal, os cristãos católicos têm o costume histórico de expressar publicamente
sua fé de modo muito belo e inspirador.Um exemplo significativo é a celebração e
procissão de Corpus Christi. Nesse dia, muitíssimas comunidades cristãs
enfeitam ruas por onde caminham em oração com Cristo eucarístico. Qual é seu
sentido?
Corpus Christi significa Corpo de Cristo. Desde o
século XIII, a Igreja celebra essa solenidade enfatizando o sentido da
eucaristia. Cristo a instituiu como memorial da sua paixão, morte e
ressurreição.A densidade teológica, eclesial e espiritual desse memorial
justifica esse dia dedicado à oração, à reflexão e à manifestação pública da fé
cristã na eucaristia. Os Evangelhos, o Apóstolo Paulo e outros textos do Novo
Testamento relatam o memorial eucarístico.
Na última ceia com seus discípulos, Jesus celebrou a
páscoa, associando ao pão e ao vinho partilhados sua própria vida oferecida
para a vida do mundo, confirmando o que Ele havia anunciado: “Eu vim para que
todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10). Celebrando a eucaristia, a
Igreja atualiza essa ação de Cristo. Sendo comunidade dos que creem em Cristo,
a Igreja é, ela mesma, o corpo místico de Cristo, que tem por missão unir os
seres humanos.
Uní-los implica reconciliá-los, transformando
injustiças em solidariedade. Tal incidência comunitária e social da eucaristia
faz com que a Igreja celebre o Corpus Christi de maneira pública, convidando
todas as pessoas de boa vontade a se unirem em prol do bem comum, com ações em
favor de pessoas necessitadas, supondo, também,outros estágios da caridade:
promoção humana, reivindicação de direitos e participação direta na gestão da
vida social.
A eucaristia é, pois, muito mais que uma celebração.
Ela é uma dimensão fundamental da vida cristã que deve se manifestar na
qualidade de nossas relações interpessoais e da organização de nossa vida
social. Onde a vida e o pão são partilhados, Cristo está presente. Sua presença
na eucaristia é mais que simbólica. Ela é real. Pela consagração, o pão e o vinho
são substancialmente transformados em corpo e sangue de Cristo, que significam
“vida para o mundo” (Jo 6,51).
Cristo está sacramentalmente presente sob as espécies
de pão e vinho consagrados, significando seu corpo sacrificado e seu sangue
derramado na cruz para salvação da humanidade. Ele continua presente na
Comunidade Eclesial Missionária, pois esta é também o corpo vivo e vivificante
de Cristo. Ele está presente nos cristãos e, finalmente, em todas as pessoas de
boa vontade que vivem e atuam em comunhão, em prol da vida na sua integralidade
e do bem comum.
A solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
desafia, portanto, as próprias comunidades cristãs a serem mais unidas, como
testemunhas do amor almejado por Cristo à humanidade. Após a última ceia,
Cristo rogou a Deus Pai por todos os que, por meio de sua Palavra acreditariam
nele, para que se tornassem um (cf. Jo 17).Essa oração de Cristo inspira-nos a
orar pela unidade dos cristãos e todos os seres humanos, e por suas ações
comuns em favor da justiça social.
A ceia do Senhor tem, portanto, uma dimensão social,
não podendo ser celebrada indignamente. Sua autenticidade deve ser comprovada
sobretudo pela comunhão em Cristo e pela solidariedade para com os pobres e
sofredores, com quem ele se identifica (cf. Mt 25,31-46). Por fim, ela não é
intimista. Seus efeitos não se limitam ao coração. Afinal, por ela somos
desafiados a superar discórdias, promover altruísmo e gerar um “estilo eucarístico
de vida social”.
Jales,
19 de junho de 2019.