2020 começa a findar-se. Há um ano, o
Brasil do capitalismo ultraliberal, financeiro e dependente, não imaginava que
poucos meses depois, a poderosa “mão invisível do mercado”, que supostamente dá
vida à economia, necessitaria de uma “intervenção cirúrgica” do Estado, por
meio de uma “ajuda pública emergencial”, para dar sobrevida acerca de 65
milhões de pobres em situação crítica.
Tal intervenção não deixa de ser
ingênua para o governo, pois lhe rende dividendos de popularidade, que lhe permitem
continuar impulsionando o modelo de “Estado Mínimo”. Bem-aventurados, portanto,
os que não se deixam enganar e defendem intervenções mais aguerridas do Estado na
economia, que, além de salvar vidas, destinam-se a criar condições
socioeconômicas mais equitativas.
As eleições deste ano, em especial seus
resultados em muitos municípios, demonstram um revigoramento das forças
populares que atribuem ao Estado o papel de agente promotor de uma economia com
finalidade social. A participação cidadã, promovida e reivindicada, inclusive
pela Igreja Católica, em particular pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), pré-anuncia tempos novos.
A
Igreja, isenta de interesses particulares, respeita, valoriza e defende o
Estado laico, por isso, incentiva a participação de todos os cidadãos e cidadãs,
na vida pública. Aliás, a Igreja considera que a democracia exclusivamente
representativa é incompleta. A democracia plena implica participação organizada
e direta dos cidadãos e cidadãs nas decisões fundamentais concernentes ao bem
comum.
Por
isso, é dever ético de todos os cidadãos, acompanhar o exercício da gestão
pública, exigindo o direito à participação no planejamento e na avaliação das
ações governamentais, a humanização dos serviços públicos, políticas públicas
em favor, sobretudo das pessoas e famílias mais necessitadas, enfim, inclusão
política de todos os segmentos sociais, especialmente a classe trabalhadora.
Aliás,
o Papa Francisco, em sua recente Encíclica Fratelli
Tutti, enfatiza que “é necessário pensar a participação social, política e
econômica segundo modalidades tais que incluam os movimentos populares e animem
as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela torrente
de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino
comum”.
Sem
estes “semeadores de mudanças, promotores de um processo para o qual convergem
milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo”, segundo o
Papa, “a democracia atrofia-se”. Por isso, ele nos convida a“gerar processos
sociais de fraternidade e justiça”,revalorizando a política como “uma das
formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum”.
“Pensando
no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em
diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida
humana.” Assim afirma o Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si, realçando a necessidade de se implementar e apoiar
práticas socioeconômicas cooperativistas, bem como mudar o sistema econômico
por inteiro.
Este
ano que está, pois, se findando de modo trágico para grande parte do povo
brasileiro, porta também, crescente solidariedade e participação cidadã organizada
desse mesmo povo, como sujeito que protagoniza a democracia
plena. Podemos então, reavivar nossa esperança de que “amanhã vai ser outro
dia”? Evidentemente, “porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações”
(Rm 5,5).